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Rio2C e os desafios do XR no Brasil

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Durante seis dias, em abril de 2019, a Cidade das Artes, no Rio de Janeiro, se tornou a capital da criatividade e inovação da América Latina.

A segunda edição Rio Creative Conference (Rio2C) reuniu profissionais dos mercados de música, audiovisual, neurociência, marcas, inovação, games e realidade virtual.

Como parte da programação do evento, a Rio2C convidou o Hub Brasileiro de X-Reality (XRBR) para organizar painéis e workshops sobre Realidade Virtual (VR), Realidade Aumentada (AR) e Realidade Mista (MR).

O XRBR é uma associação sem fins lucrativos, criado por profissionais do mercado, da academia e do governo para unir esforços e impulsionar o emergente e desafiador mercado brasileiro. Após um ano e meio de criação, 120 empresas já estão cadastradas. O hub acredita na colaboração pessoal/corporativa e tem como objetivo conectar todos os elos da cadeia criativa e produtiva para posicionar as empresas brasileiras na economia criativa mundial.

Ao longo dos painéis e workshops da Rio2C, foram apresentados alguns desafios que, segundo a perspectiva dos integrantes do XRBR, precisam ser superados para o desenvolvimento do XR no Brasil.

Mas afinal, o que é XR?

Extended Reality (XR) ou Realidade Estendida abrange todas as formas de imersão e interação já conhecidas, seja Realidade Virtual (VR), Realidade Realidade Aumentada (AR) ou Mista (MR).

Vinicius Leite, durante o painel XR – Inteligência artificial: a base da realidade aumentada, definiu a diferença entre esses conceitos. De acordo com o desenvolvedor, na Realidade virtual o usuário é transportado para uma nova realidade. Já em uma experiência de Realidade Aumentada, o usuário observa a projeção de ideias e conceitos na nossa realidade. O jogo Pokemon Go e o applicativo Snapchat são bons exemplo de AR. Por fim, a Realidade Mista combina os mundos real e virtual nos ambientes permitindo a coexistência de objetos físicos e digitais simultaneamente em tempo real.

Em outro painel, a pesquisadoraInês Maciel destacou que essas definições ainda são confusas, uma vez que o mercado e a academia utilizam diferentes termos. Por isso, o termo Realidade Estendida tem sido mais aceito, já que abarca todas as definições.

Apesar de ser um tema recorrente e aparentemente atual, André Paz lembrou que em 1838 já eram realizadas experiências com o estereoscópio. No workshop Como desenvolver um documentário imersivo, o pesquisador lembrou que estima-se que 500 mil estereoscópios foram utilizados na Inglaterra durante o século XIX. Durante o começo do século XX, existia uma série de experimentações imersivas e também modelos de negócios, como o Hales Tour, que chegou a ter  500 salas nos EUA em 1905.

No entanto, essas experiências foram atropeladas pelo cinema.

Durante o painel XR – Ecossistema No Brasil, Fabio Hofnik e Ranz Razenberguer lembraram que a pesquisa de XR no Brasil acontece desde de a década de 1980, principalmente com os trabalhos de Gerson Cunha na UFRJ e o grupo de pesquisadores do Laboratório de Realidade Virtual e Aumentada da USP. No entanto, foram nos últimos 10 anos que o campo começou a evoluir rapidamente com o avanço das novas tecnologias. Razenberguer ressaltou que “Todas as câmeras ainda estão em desenvolvimento, nenhuma é realmente boa. Ano passado saíram novas câmeras com preço mais acessível e a tecnologia tem melhorado. Com isso a qualidade das produções também tem aumentado.”

De acordo com Francisco Almendra, a tecnologia e a linguagem dessas novas mídias ainda estão em construção. No painel Cinematic VR e filmes 360º, o conselheiro do XRBR afirmou que isso faz com que as produções brasileiras e internacionais não sejam muito distantes em termos de qualidade técnica e narrativa. Por isso, para que o Brasil não fique para atrás, é fundamental que o campo seja desenvolvido através de uma atuação conjunta entre a pesquisa feita na academia, as experiências práticas realizadas no mercado e os investimentos estatais para a capacitação de profissionais.

DESAFIO #1: CRIAR UM ECOSSISTEMA

O XRBR acredita que o primeiro desafio do XR no Brasil é a organização do setor. Por isso, segundo a associação, o primeiro passo que precisa ser feito é o mapeamento do ecossistema. A proposta é juntar as empresas que atuam no setor para atuar conjuntamente, no que Almendra chamou de “colaboração competitiva”. Nesse momento, se uma empresa cresce, todo o ecossistema também cresce.

De acordo com Ranz Razenberguer, a produção nacional “tem conteúdo de muita qualidade e está do nível internacional. Não temos investimento, não temos politica pública, os imposto para importação de equipamentos são exorbitantes, mas temos a criatividade como diferencial. Temos muito bons profissionais brasileiros trabalhando em território nacional e também no exterior. Fazer esse mapeamento é de grande valia e fantástico para todos.”

Esse mapeamento está sendo feito pela pesquisadoraInês Maciel da UFRJ em parceria com o XRBR. O objetivo do estudo é enumerar as empresas de XR no Brasil para saber onde estão e como atuam, para então comparar o ecossistema brasileiro com o do exterior. Além disso, pretende mapear as instituições de fomento nacionais para descobrir onde estão os recursos e como captar esses recursos. O objetivo é enquadrar o XR como audiovisual, abrindo portas para potenciais fontes de financiamento público.

DESAFIO #2: TECNOLOGIA x LINGUAGEM

Entretanto, organizar o setor não é o único desafio que precisa ser superado para o desenvolvimento do XR. A quantidade e qualidade do conteúdo disponível ainda são insatisfatórios. Como afirmou Diogo Dahl no painel Cinematic VR – Filmes 360º, se por um lado a tecnologia ainda é nova, interessante, que tem evoluído rapidamente se tornado cada vez mais acessível e barata, por outro lado os óculos de VR ainda são pesados, incômodos e caros para a maior parte da população, dificultando a popularização da estética.

Gui Tensol, durante o Workshop de roteiro para realidade virtual lembrou que “Não adianta ter fetiche pelo equipamento somente. Precisa ter uma ideia, uma narrativa. Não é sobre o fogão, é sobre comer a comida”.

Inês Maciel observou que dois fatores são muito importantes para o sucesso de uma experiência em XR. O primeiro deles é a imersão, determinado pela qualidade de imagem, som e sincronia do conteúdo. Ranz Razenberguer destacou que a maior parte das obras não conseguem inferir no usuário a sensação de imersão, por problemas técnicos que ocorrem pela falta de experiência dos realizadores.

O segundo fator apontado por Inês Maciel é a presença, que se dá através da interação do usuário com a obra. Segundo a pesquisadora, quanto mais intensa for essa interação, mais será a sensação que o interator “está lá”. Nesse caso, o desafio é ainda maior, pois significa que o diretor deixa de ter o controle da narrativa, passando a ter um papel de “influenciador”. Ele vai sugerir ao usuário por onde seguir, mas a decisão final é sempre do interator.

Por isso, ao mesmo tempo que a nova mídia promete um universo de possibilidades narrativas, realizadores ainda tem encontrado dificuldades para encontrar soluções de linguagem intrínsecas a nova ferramenta. Em outras palavras, o XR ainda está na fase de experimentação dos irmãos Lumière e espera ansiosamente por autores como Georges Méliès e David W. Griffith que decifrem o código e a linguagem dessa nova forma de contar histórias.

Essa incerteza com relação ao verdadeiro potencial da linguagem do XR ainda gera dúvidas com relação ao próprio futuro da tecnologia. Durante o painel XR na Europa, Doede Holtkamp afirmou categoricamente que “Pelo menos na Europa, o vídeo 360º está morto”. Já Francisco Almendra foi menos enfático, mas gravou que “o XR veio pra ficar, mas vai ser diferente do que a gente imagina. Vai ser além do vídeo 360º como a gente conhece”.

A previsão apocalíptica de Holtkamp faz sentido quando comparamos as limitações dos vídeos 360º que tem 3 graus de liberdade (3DoF) com as recentes experiências de realidade virtual com 6 graus de liberdade (6DoF). Nas obras de 3DoF, o interator tem o movimento completo de cabeça (esquerda, direita cima e baixo) enquanto nos VRs com 6DoF além dos movimentos anteriores, o interator pode também caminhar para frente, para traz e para os lados livremente.

Nesse contexto, algumas obras interessantes começam a se destacar, como a premiada instalação de XR Carne y Arena de Alejandro Iñárritu. Na experiência com 6 graus de liberdade, o usuário tem a oportunidade de “fazer parte” de um grupo de imigrantes que são conduzidos por um coiote através da fronteira mexicana para os EUA. Carne y Arena foi muito bem recebido pelo público e pela crítica como uma narrativa visionária e poderosa, inclusive recebendo um Oscar na categoria “Special Achievement Academy Award”.

No entanto, muitas experiências interessantes são criadas com vídeos 360º com apenas 3DoF. Um exemplo é o Carnaval Interativo produzido pelo Studio KwO e que foi exposto durante o Rio2C. Ao colocar os óculos, o usuário se vê sozinho em uma pacata rua de Paquetá, no Rio de Janeiro. Porém, ao movimentar o corpo o usuário se vê no meio do bloco Boto Marinho no mesmo local onde anteriormente não havia nada. Se o interator interrompe o movimento, novamente se vê na rua silenciosa. Então, para participar do bloco, é preciso dançar com ele. Esse é um ótimo exemplo de experiência corporal e de como podemos explorar outros sentidos dentro do XR e não apenas a visão.

DESAFIO #3: A DISTRIBUIÇÃO

Contudo, uma pergunta parece surgir automaticamente no ar. Como podemos ter acesso a essas obras? A resposta não é simples e por isso chegamos ao terceiro desafio que o XR precisa superar para se estabelecer definitivamente.

O alto custo dos óculos de realidade virtual tem sido um obstáculo para a popularização da tecnologia. Alguns modelos de negócio começam a surgir para tentar superar essa dificuldade de distribuição.

Para baratear a experiência, a solução encontrada foi levar o interator até os óculos. Mas como fazer com que as pessoas saiam de suas casas para ir a “cinemas de XR” em uma cultura digital onde tudo está ao alcance de um clique?

Doede Holtkamp descreveu três tipos de modelos diferentes, mas ressaltou que nenhum desses modos pode ser considerado definitivos, já que não geram lucro para os produtores de VR.

O primeiro modelo é locais particulares que permitem que o interator participe de uma experiência que pode durar entre 30 à 60 minutos.  Segundo o chefe do VR Days, os árcades de XR tem um mercado avaliado em 1,2 bilhões de euros e conta com aproximadamente 15.000 espaços espalhados pelo mundo (com maior concentração na China). No entanto, ainda é uma experiência muito cara para o consumidor, podendo custar entre 30 à 50 euros. Alguns exemplos citados foram o Dreamscape, Voyager, Exti Reality, Hologate, Hyperverse, Springboard VR, VUSR e MK2.

A segunda forma de exibir conteúdo de XR é através de museus especializados em VR. Esses espaços criam exposições de longa duração e as receitas são divididas entre os realizadores após abater o custo de montagem. Centre Phi, National Theatre e Saatchi Gallary são alguns espaços que trabalham com esse modelo.

E a terceira maneira de distribuição tem sido através dos tradicionais festivais de cinema como Tribeca Film Festival, IDFA DOC e Sundance que tem optado por adicionar XR em sua programação. Além disso, festivais específicos de XR tem sido criados a fim de preencher essa lacuna: VR DAYS, COPEN REALITIES e VRHAM!.

Segundo Fabio Hofnik, no Brasil os festivais de cinema ainda são a primeira janela na qual as pessoas tem acesso a conteúdos de XR. Além de exibir conteúdos que já passaram por uma curadoria, esses festivais reúnem profissionais nacionais e internacionais, possibilitando a troca de experiências através de debates e palestras. Esse intercambio é fundamental pois o Brasil e America Latina vivem em uma bolha por conta das dificuldades econômicas. De acordo com Hofnik é importante estabelecer contato com o que esta sendo realizado em países como Canadá, EUA, França e Inglaterra.

Essa é a proposta do Hyper Festival Brazil, que chegou a sua quarta edição ano passado. O evento que ocorre em São Paulo, e tem curadoria do próprio Hofnik, teve um publico de mais de mil pessoas em sua ultima edição.

Outro festival brasileiro é o Curta Brasília, que chega a sua sétima edição e traz em sua programação o Espaço VR e o Fórum VR, um evento dedicado exclusivamente ao XR. A programação é composta por oficinas, masterclass, demonstrações práticas e painéis com convidados internacionais e locais. Ana Arruda, diretora executiva do Curta Brasília, afirmou que o Curta Brasília busca o intercambio de obras do brasil com obras do exterior. Por esse motivo, ela acredita que é importante buscar parceiros na divulgação da tecnologia para que essa experiência possa acessar todas as partes da sociedade.

Francisco Almendra disse acreditar que esse processo de democratização está cada vez mais próximo de se tornar realidade. Segundo o realizador, os óculos tendem a ficar mais leves e com uma alta performance. Isso tornaria a tecnologia socialmente aceita e faria com que os modelos de distribuição fossem alterados drasticamente.

DESAFIO #4: A ÉTICA NO XR.

Se essas previsões se tornarem realidade, o usuário terá acesso a um conteúdo muito melhor, pagando muito menos. Assim, estaremos migrando para um mundo hibrido, onde realidade e virtualidade se fundem e se confundem.

Com isso, novas questões e desafios mais complexos surgiram com relação ao XR. Almendra lembrou que ainda não temos a menor ideia do impacto real dessas mídias nas pessoas. Não existe uma legislação em torno da evolução da tecnologia e a pesquisa científica com relação aos efeitos da longa exposição aos óculos ainda é relativamente recente e inconclusiva.

Se por um lado realizadores tem pesquisado aplicações do XR para melhorar setores como educação e saúde, por outro as empresas privadas como Facebook e Google tem investido pesado nessas novas tecnologias.

Diferentes nichos de mercado propõe a utilização de XR para diversas funcionalidades seja nas áreas de cultura, entreterimento, educação, esportes, indústria, games, arquitetura, TICs, saúde e militar.

Além disso, marcas ao redor do mundo tem utilizado o VR como ferramenta de publicidade. Segundo Karina Israel no painel XR – Tecnologia a favor das marcas, atualmente o modo como nos relacionamos com as marcas é muito mais profundo e por isso as empresas tem buscado essas novas tecnologias para criar novos formas de abordagem com o consumidor.

No painel Ética e responsabilidade nos jogos e XR, Marcos Alves expandiu a discussão trazendo questionamentos que ainda não podem ser respondidos. Por exemplo, quais seriam os perigos dessa tecnologia para crianças? Em que idade podemos começar a usar XR? Como isso vai separar as pessoas entre realidade e mundo virtual? O que permitira os humanos continuando sendo humanos? Ele destacou que durante a formação de visão de realidade, trazer uma memoria não real para a realidade, poderia criar pessoas desapegadas da realidade.

Francisco Almendra  lembrou que, do ponto de vista dos diretores, independentemente da legislação, é preciso tomar muito cuidado. Segundo o realizador, existe um compromisso e responsabilidade ética. É preciso responder perguntas como para quem estamos fazendo? Como estamos fazendo? Porque estamos fazendo? Não devemos criar nada que gere desconforto, que gere trauma, que incite violência. É preciso esperar pra entender a tecnologia.

Ao longo dos painéis do Rio2C, a realidade virtual foi muita vezes referida como “maquina da empatia”, por ter o poder de colocar o usuário frente a frente com os personagens. No entanto, como lembrou André Paz, a empatia não é endêmica da realidade virtual. É preciso construir esse afeto. Não é a tecnologia que cria a empatia e sim a linguagem empregada durante a narrativa.

De qualquer forma, temos em mãos uma nova e poderosa ferramenta narrativa. O que vamos fazer com ela parece depender exclusivamente da nossa imaginação. O mundo físico não é mais um limitador e as possibilidades narrativas parecem infinitas quando imaginamos as potencialidade do XR associado a inteligência artificial, games e bases de dados. Mas apesar da tecnologia, os realizadores ainda são os responsáveis por contar essas histórias.

Ainda.

Texto e fotos: Felipe Carrelli

Felipe Carrelli
Mestrando em Mídias Criativas (ECO/UFRJ) e co-coordenador do projeto GalileoMobile. Graduado em Imagem e Som pela UFSCar (2010) e especialista em Divulgação e Popularização da Ciência (Fiocruz - 2019). Dirigiu os documentários: Ano-Luz (2015), Leila (2016) e Feijão (2018).